Eduardo Chamarelli Iaspeck
Diretor Financeiro da Federação dos Servidores Públicos Municipais no Estado do Rio de Janeiro - FESEP RJ,
Diretor de Organização da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil – CSPB,
Diretor Financeiro da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil - CTB RJ, e
Diretor de Relações Internacios do Movimento Sindical do Partido Democrático Trabalhista - PDT
AUTOFAGIA POLÍTICA
ESQUERDISMO E IDENTITARISMO
O crescimento do pensamento conservador vem se apresentando em nossa sociedade em escalas poucas vezes observadas.
Fenômeno este que é alimentado por inúmeros fatores, mas alguns muito significativos, que merecem ser citados, como por exemplo o crescimento de religiões neopentecostais, calçadas nos conceitos da Teologia do Domínio, em sua articulação de um cenário de permanente guerra espiritual entre Deus e o Diabo, a Teologia da Prosperidade, que exalta os privilégios que a riqueza e o dinheiro podem trazer, apresentando-os como “retribuição de Deus” aos fiéis que seguem sua doutrina, substituindo a fé e a devoção divinas por “prósperos empreendimentos”. Igrejas com organização empresarial e política como nunca se viu no Brasil.
Outro valor significativo é uma estratégia muito bem aplicada pelos conservadores que é a criação do “Estado do mal-estar”. Este estado psicológico deriva dos sentimentos alimentados por narrativas sobre corrupção, violência e destruição da família, por exemplo. Isso gera em mentes desinformadas uma vitamina de revolta a partir de associações maldosas criadas para associar esses conceitos a pensamentos mais progressistas.
Todavia o que mais chama a atenção neste cenário não são os ataques inimigos, mas o “fogo amigo”. Inexplicavelmente, alguns “progressistas” (prefiro o termo “esquerdistas”, como cunhou Lênin) adotam narrativa muito mais no sentido de crítica aos partidos e movimentos do campo progressista do que a ideologia a qual se contrapõem (teoricamente). Estes “companheiros” se tornam agentes do caos, vislumbrando um futuro “eu avisei...” Exercem, em sua maioria, militância de rede social (sim, é um deboche!), e pouco contribuem para construção do processo político transformador na sociedade.
Interessante observar que o que motiva os ataques “esquerdistas” geralmente é o processo de ampliação que os partidos constroem para lograr êxito no processo político ou eleitoral, como forma de implantar as políticas conjunturalmente possíveis de avanço social ou econômico, todavia para estes “companheiros” militar midiaticamente é mais importante, mesmo que feche portas, mesmo que destrua pontes, tratam como prioridade a narrativa vazia, que cada vez mais esvazia as fileiras progressistas.
Cerca de 100 anos atras, Lenin lançava um ensaio chamado Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, onde ataca a estratégia de uma parte dos comunistas, sobretudo os alemães e os ingleses, acusando-os de desvio ideológico à esquerda. Os argumentos deste texto ainda cabem aos esquerdistas atuais, como as críticas acusando-os de querer separar os chefes revolucionários da massa proletariada. Lênin censura particularmente alguns "esquerdistas" alemães por considerarem os partidos políticos inúteis. Segundo Lênin, "negar a necessidade do Partido e da disciplina partidária equivale a desarmar completamente o proletariado, em proveito da burguesia". Lênin defende ainda a atuação dos partidos comunistas nos sindicatos mais atrasados e nos parlamentos burgueses. Defende também a necessidade de se estabelecerem acordos e compromissos. No capítulo IX, o alvo são os "esquerdistas" ingleses, censurados por se recusarem a estabelecer compromissos com o Partido Trabalhista, reformista, que congregava a maior parte da classe operária inglesa.
Mesmo com 100 anos desta obra e outras semelhantes que construíram o pensamento revolucionário, tem “esquerdista” com a prateleira cheia de livros que não lê, defendendo teses que ele mesmo não prática, com duras críticas a partidos progressistas que ele não ajuda a construir e a políticas que ele não ajuda a manter. De fato, estas pessoas são uma doenças ao processo de progresso social, e que servem mais ao capitalismo que a luta progressista, prestando um desserviço as causas nobres firmadas pelo socialismo internacional.
Fica a reflexão: a quem isso ajuda? Com a Clausula de Barreiras vigente, devemos lembrar que até a eleição de 2018 havia 39 partidos registrados no Brasil e apenas 23 deles alcançaram os índices de votação. Esses 16 acabaram, se fundiram ou formaram federações. Na eleição de 2022 eram 28 partidos e só 16 conseguiram alcançar os índices da clausula de barreira. Esses 12 partidos no processo de fusão ou federação formaram mais 6 partidos. Em 2026 temos a expectativa de que apenas 12 partidos alcancem o índice, e que se formem mais 4, para em 2030, desses 15 ou 16 partidos restantes, apenas 8 alcancem a cláusula de barreiras. Fazendo esta análise, e olhando os números de 2022, hoje já temos a federação PT / PcdoB / PV que ficou em 2º lugar. O PDT como 8º lugar, PSB em 10º lugar e a federação Psol /Rede em 11º lugar, onde só passaram 12 partidos. Em 2030 serão apenas 8 partidos, portanto, a quem interessa desconstruir o que nos sobrou de partidos progressistas no país?
Outro “fogo amigo” perigoso é o identitarismo, que se refere a posições políticas baseadas nos interesses e nas perspectivas de grupos sociais com que cidadãos se identificam e, logo, possuem interesses, perspectivas e demandas em comum. Trata-se da agrupação de pessoas com características similares, como orientação sexual, etnia, classe, nacionalidade etc.
Estas pautas são importantes e dialogam, em sua maioria, com os pensamentos mais progressistas, todavia confundem a questão central — a desigualdade — e se divorciam da realidade do povo.
Costumo dizer que esta é à esquerda com quem a direita deseja lidar, pois são temas que geram comoção e discussão social, mexem com o sentimento íntimo das pessoas, não tem soluções rápidas, e desviam a discussão para além do que a direita não aceita discutir de jeito nenhum: O orçamento!
Temos exemplo claro disso quando a direita desconstrói o trabalhismo no Brasil, que vinha de uma grande herança Varguista, que evoluiu para a vitória de João Goulart, e trouxe a tona toda veia reacionária de direita que impõe ao país um golpe militar. Esse movimento vem com o esmagamento do PTB, que era o grande partido popular do país, momento histórico quando a própria direita fomenta o nascimento de uma esquerda com viés mais brando, que foca no discurso dos costumes, nascida no seio da igreja católica, e que não tenta mudar radicalmente o sistema vigente, mas fazer parte dele e disputar a narrativa.
Esta ação demonstra como pensa a age essa direita que desde muito tempo inflama as bases sociais na discussão identitária, como armadilha para que as pessoas não discutam direitos, modelo de estado, acesso ao orçamento. Não podemos cair na armadilha do identitarismo, que nos reduz a militantes corporativistas e deixamos de observar e lutar pelo que muda de fato nossa realidade.
O identitarismo nos desconecta da luta de classes, e num momento sob alta pressão ideológica, alienam em nome de avanços de núcleos periféricos, e tem como efeito mais deletério a ocultação da própria condição social, de seu status quo na sociedade, e da luta que realmente deveria travar por direitos, acesso a bens e serviços, por menos desigualdade, e mais justiça social.
Por fim, o identitarismo alimenta seu antagonista, como observamos com o bolsonarismo, que cresceu basicamente em cima de pautas identitárias, criando uma agenda de extrema direita que prioriza a discussão de costumes, acirrando paixões sobre temas que deveriam ser tratados a luz da razão.
Soma-se a característica apaixonadas na forma de tratar dessas teses, a forma como o Brasil praticamente universalizou o acesso à internet e a redes sociais sem regulamentação antes de, funcionalmente, alfabetizar seu povo, e criamos um resultado de tempestade perfeita na polarização da política nacional. Todavia, uma polarização onde nenhum dos lados discute fundamentalmente onde o trabalhador fica na economia, qual parcela do orçamento deve de fato integrar o rol de benefícios sociais.
Nas discussões mais importantes, estamos alijados, sem força e sem peso na balança social, que esta há muito desequilibrada, e pendendo contra quem produz e trabalha, enquanto a direita segue lucrando com privatizações, destruindo direitos sociais, fomentando fuga de capital para o sistema financeiro, impondo ao país limites orçamentários a partir de seus negócios. Para tudo criaram teto no setor público, menos para os ricos ganharem mais dinheiro.